Vai para meia dúzia de anos que ele nos
apareceu porta adentro, numa tarde cálida do meio do Verão, em que acontecia
mais uma das costumadas tertúlias de poesia na Galeria Vieira Portuense. De
lenço ao pescoço à moda de Salvador Dali, apresentava, como este, bigode de
pontas afiadas que o surrealista de Figueres copiara de Diego de Velásquez.
Chegada a vez da declamação, tomou espaço
a servir-lhe de palco e, em pose de teatro, tirou, sabe-se lá de onde, uns
minúsculos altifalantes que ligou à corrente e a um aparelho, que servia
de telefone, anunciando que as novas tecnologias também serviam a cultura.
Perante a expectativa de todos, aquilo acendeu uma pequena luz vermelha, deu um
silvo angustiante e apagou-se. À inquietação dos demais, juntou o autor a sua
própria perplexidade, tal qual um Jacinto contrariado face à avaria da
engrenagem que lhe deixara o assado encravado entre a cozinha e o sobrado do
número 202, dos Champs-Élysées, de que se fala em “As Cidades e as Serras” de
Eça de Queirós.
Recomposto, sem perder a pose de quem se
acha bem acima da falibilidade das coisas terrenas, o pintor, escritor e poeta,
mostrou naquele espaço o seu estro numa primeira de muitas vezes, já que nunca
mais deixou de frequentar esta casa de arte:
“Na
alegria de viver e de comunicação simples,
Fazia
a beleza da Vida.
[…]
Dai-nos
lugar junto dele
Quando
for a vez da Eternidade!”
Luís
Pedro Viana não nasceu em 1943. Nasceu muito mais tarde, naquela idade em que a
humanidade descobre que “nem só de pão
vive o homem”, que em Altamira ou em Chauvet começou a pintar nas cavernas e
Alberto Caeiro começou a escrever:
“Não
basta abrir a janela
Para
ver os campos e o rio.
Não
é bastante não ser cego
Para
ver as árvores e as flores.”
Porque há um tempo em que a Bíblia se
abre em Marcos e nos pergunta: “que
adianta ao homem ganhar o mundo inteiro se vai perder a alma?”
Armado com as armas que a vida lhe deu, nos
bancos das escolas, no atelier de seu pai, nas sete partidas da vida, nas
viagens pelo mundo, no estudo atento do que é ensinado nos museus, na confraternização
com artistas dos vários mesteres, este português aqui, sem mestre mas com
jeito, (como diria José Fanha), renascido em seus sonhos, é hoje um artista
respeitado nas artes e nas letras, simples como os sábios, amante da natureza e
do lado bom da vida, como ensinavam os epicuristas, podendo dizer como Salvador
Dali “…estou pintando quadros que me
fazem morrer de alegria, estou criando com absoluta naturalidade, sem a menor
preocupação estética, estou fazendo coisas que me inspiram com uma profunda
emoção e estou tentando pintá-los com honestidade”.
Entretanto, Moreira da Cunha, ele, sim, nascido em 1943, vai
palmilhando a vida no seu condado, indiferente aos Invernos já vividos, porque,
como dizia Epicuro de Patmos, “enquanto
eu sou, a morte não é; e quando ela for, eu já não serei. Porque deveria temer
o que não pode ser enquanto sou?”.
Agostinho Costa
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